Stranger Things 4: Funcionalidade do espetáculo

 

  
 
Mais do que nunca, os dois últimos episódios do volume 4 de Stranger Things atestam, de forma categórica, pro bem e (principalmente) pro mal, a forma de produção netflixiana, transformando espetáculo em um objeto estético feito sob medida para agradar um público devoto.

Nada mais justo portanto, que a plataforma instrumentalize sua série "carro-chefe" como veículo para total domesticação: qualquer decisão que acene ao espetáculo high concept (coisa que a série evoca desde a sua idealização) é submissa a uma decisão de mercado, a uma política domesticável que mastiga e tritura qualquer apreço por seus delírios formais.
 
O penúltimo episódio segue um percurso similar aos outros da — diga-se de passagem— ótima temporada. A descentralização da Eleven não funciona não só como um núcleo, mas como uma boa decisão conceitual (a personagem meio que apenas absorve os efeitos de um retcon) até o inevitável momento de seu clímax pessoal que também é inteligente na forma que se utiliza tanto dos efeitos (Vecna curiosamente parece visualmente mais ameaçador nesse penúltimo episódio do que em todos os outros) como de toda uma atmosfera catártica muito bem pensada, plasticamente (a explosão) e dramaticamente (a morte de Papa).

Então é uma pena que o último episódio seja tão ruim. A minutagem de duas horas e vinte poderia indicar algo interessante nessa linha do espetáculo, de uma trajetória dramática que fizesse uso dessa dilatação do tempo de uma forma interessante. Infelizmente, o que transparece é uma decisão tecnocrata, pasteurizando as relações que mais merecem edições no Tik Tok e reencontros que iriam gerar surtos no Twitter.
 
Mesmo a morte de Eddie, acontecimento que seria supostamente um dos mais marcantes do episódio, soa extremamente forçado em todas as suas facetas. Sua conexão com o Dustin surge basicamente do nada em algumas ceninhas pseudo fofas, e a decisão em si de matar o personagem soa bastante conveniente, já que claramente é o personagem com menos "peso" dentre os outros que estão mais tempo na série. Foi criada apenas uma ilusão de que existia algum risco.
 
E claro que a Max fica convenientemente debilitada no hospital, mas não morre. São decisões não só pensadas para serem cômodas, mas encenadas de maneira preguiçosa. Existem coisas boas aqui. A cena final do confronto com o Vecna, que intercala três núcleos em slow paralelamente na montagem funciona muito bem nessa linha do espetáculo, da fantasia, para evocar certo misticismo.
 
É triste que fique tudo muito submisso a essa chatice de reencontros e de ultra processar qualquer centelha de drama de uma forma hiper pedagógica. Lá pro décimo quarto "fechamento de arco" com personagem terciário X e personagem secundário Y eu já tava mais do que implorando para acabar. Pelo menos fica fácil de notar que a Netflix sabe que seus fãs são meio burros.
 
 


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