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Stranger Things 4: Funcionalidade do espetáculo

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        Mais do que nunca, os dois últimos episódios do volume 4 de Stranger Things atestam, de forma categórica, pro bem e (principalmente) pro mal, a forma de produção netflixiana, transformando espetáculo em um objeto estético feito sob medida para agradar um público devoto. Nada mais justo portanto, que a plataforma instrumentalize sua série "carro-chefe" como veículo para total domesticação: qualquer decisão que acene ao espetáculo high concept (coisa que a série evoca desde a sua idealização) é submissa a uma decisão de mercado, a uma política domesticável que mastiga e tritura qualquer apreço por seus delírios formais.   O penúltimo episódio segue um percurso similar aos outros da — diga-se de passagem— ótima temporada. A descentralização da Eleven não funciona não só como um núcleo, mas como uma boa decisão conceitual (a personagem meio que apenas absorve os efeitos de um retcon) até o inevitável momento de seu clímax pessoal que também é inteligente na forma que se

10 Favoritos de 2021

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Como forma de fazer uma retrospectiva do ano de 2021 e deixar um registro cinematográfico próprio no blog, vou listar meus 10 filmes favoritos do ano em questão. O único critério é que seja um filme lançado entre 2019-2021 assistido pela primeira vez em 2021. Além dos filmes, um breve comentário sobre cada uma das obras. 10 - FROM BAKERSFIELD TO MOJAVE (2021, JAMES BENNING) Primeiro filme que assisti do Benning e é impressionante como o americano parte de um mote estrutural para lidar com toda uma gama de míticas cinematográficas implícitas no mais corriqueiro dos acontecimentos. A própria evolução dos cenários e dos planos únicos diz muito sobre um caráter evolutivo -- e essencialmente mitológico -- do cinema. A forma ressignifica o cotidiano em prol de uma elucidação mística do mundo. 9 - MALIGNANT (2021, JAMES WAN) O terror de James Wan é mais descontraído do que outros trabalhos do diretor, e é justamente essa liberdade -- tanto narrativa como na própria desconstrução temática e vi

Duna: Voltando ao essencial

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A extensa e complexa mitologia da obra de Frank Herbert poderia facilmente se tornar um empecilho para a adaptação cinematográfica de Duna, dirigida por um Denis Villeneuve que tem como trabalho anterior um exemplo bem ruim de como lidar com uma história de compridos desdobramentos narrativos e diversos elementos conflitantes. Seu Blade Runner 2049 dilui a abordagem de Ridley Scott em um esquema meramente aparente, se escondendo atrás de uma ambiguidade somente oportuna, e não possibilitadora. Os arranjos visuais de Villeneuve se traduziam em pretensos “grandes planos” que no final das contas apenas se isentam de qualquer objetividade na construção da mise-en-scène, quase como uma desculpa pra não lidar de fato com os componentes dispostos pelo Blade Runner anterior. Aliás, esse tipo de crítica ao cinema do Villeneuve não é de hoje — e até certo ponto eu mesmo concordo — mas no caso da primeira parte de Duna as coisas mudam um pouco em termos de foco, já que, agora sim, Villeneuve ins

Expor o Artifício

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O cinema de M. Night Shyamalan sempre preza por uma ingenuidade fantástica. A cada nova iteração de sua obra, o diretor americano de ascendência indiana reformula a própria abordagem, seja ao tratar de diferentes gêneros — passando mais notavelmente pelo horror, mas também pela ficção científica, pelo filme de catástrofe, e até pelo melodrama com veias calcadas no cinema oriental — ou de forma menos evidente, através de escolhas formais que modulam e sintetizam os mundos criados por M. Night, e de forma inversamente proporcional, preservando um impacto único e poderoso em cada um de seus filmes. Em Tempo (2021), ou Old, as coisas ficam um pouco diferentes. As decisões estéticas de Shyamalan, ao mesmo tempo que manifestam um poderoso acordo entre o pacto ficcional entre cineasta e espectador, guardam nos momentos finais do longa a cartada mais definidora da obra, ao expor toda a engenharia formal do diretor com uma frontalidade corajosa. Pela primeira vez em sua cinegrafia, a fantasia n

Carol e a recusa pelo maneirismo

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Torna-se evidente, ao experienciar alguns de seus filmes, que a maior das qualidades do cineasta americano Todd Haynes é partir de contextos teoricamente simples, lidar com elementos-base da encenação cinematográfica, para assim elucidar questões grandiloquentes, meditar sobre relações abrangentes e universais. A obra de Haynes assume uma recusa ativa pelo artifício, encontra no minimalismo um caminho formal absolutamente possibilitador, dentro de uma operação tão paradoxal quanto poderosa em suas articulações. É um cinema clássico que, inegavelmente, quer reafirmar sua posição na contemporaneidade. Safe, filme dirigido por Haynes lançado em 1995, lança mão de toda essa economia encenativa para meditar basicamente sobre toda a sociedade moderna no século 21. Se o filme de 95 se concretiza em um comentário sociocultural bastante definidor, temos em Carol (2015), lançado duas décadas depois, uma evolução natural para a filmografia de Haynes, já que o filme acaba sendo um comentário sobre

Paisagem em ruínas: adentrando o portal do paraíso

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  Inserido no contexto da Nova Hollywood, o cineasta Michael Cimino representa um ponto de ruptura no cinema americano, com seu primeiro longa, e dando continuidade em seus dois filmes seguintes. O diretor inaugura, talvez, uma espécie de separação desse cinema de suas raízes modernas ao mesmo tempo que, para isso, lance mão de iconografias dos grandes mestres. Cimino bebe de fontes evidentes de cineastas americanos, realiza composições que remetem diretamente a maneira com que John Ford, por exemplo, assimilava esteticamente os vastos exteriores de seus cenários para sintetizar um certo espírito americano calcado na contemplação. Por outro lado, existe nisso um ideal de subversão bem específico, que faz seus filmes não se limitarem ao simples jogo reverencial, mas demarcarem o ponto de ruptura supracitado: segundo os três filmes iniciais de Cimino, para subverter é necessário homenagear, e vice-versa. Capaz que seja justamente isso que torne Cimino o cineasta sublime que é.  Já nos mo

Invocação do Mal 3: Drama e fantasia

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Após os feitos categóricos de James Wan nos dois primeiros filmes da franquia 'Invocação do Mal', a terceira iteração da série de horror nos presenteia com caras novas á direção, com o diretor Michael Chaves tomando as rédeas para fechar essa trilogia principal, este que já havia dirigido um dos derivados, o longa 'A Maldição da Chorona' (sobre o qual não irei tecer comentários, visto que não o assisti, e consequentemente não irei tecer comentários sobre o autorismo de Chaves, me baseando unicamente nesse meu primeiro contato com o cineasta).  Nesse terceiro, acompanhamos os Warren em mais uma de suas epopeias para provar a existência do sobrenatural e combater forças misteriosas que se apossam de cidadãos comuns. Dessa vez, um caso de assassinato em que o infrator alegou ter sido possuído por um demônio ao cometer o ato se transforma na meta narrativa do longa, tipo de premissa inicial que aparece novamente na franquia, aquela famosa tática empregada por filmes como &